O Fernando Pessoa não era aduaneiro,
mas sabia o que era o valor FOB e o valor CIF
Alguém disse
que o Fernando Pessoa
sabia o que era
o valor CIF e o valor FOB
Se é verdade,
parece que o estou a ver
em desassossego no aconchego
do seu quarto com vista para a Tabacaria,
ainda de pijama, ou talvez de robe,
a procurar uma rima
para valor CIF, ou para valor FOB,
rima rica, ou rima pobre,
tanto valia
Parece que também o estou a ver,
furioso,
a discutir com aquele feirante
que vende gabardinas
e chapéus de coco
pelo valor CIF e não pelo valor FOB,
ou, disfarçado de Álvaro de Campos
e com aquele aspecto de bêbado snob,
a queixar-se ao Martinho, o da Arcada,
que tinha que pedir dinheiro
ao Alberto Caeiro
porque a sua mesada
não lhe chegava
nem para um copo de tinto
quanto mais para um cálice de absinto
que tinha que ser comprado na Suíça
pelo seu valor CIF
e não pelo seu valor FOB
E o nosso Fernando Pessoa
viveu pobre,
mas morreu nobre,
e talvez por não encontrar rima,
nem rica, nem pobre,
para valor CIF e para valor FOB
não nos disse
se os cigarros que a Tabacaria vendia
tinham valor FOB,
ou valor CIF
sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
Quando cheguei à cidade grande
encontrei-me com este cocktail
Pântanos, pragas e profetas,
barracas, bestas e burros,
tudo isto à mistura com tretas
e ainda prostitutas e proxenetas
Pântanos, pragas e profetas,
barracas, bestas e burros,
prostitutas e proxenetas,
salamandras e casmurros,
cardeais e panascas,
políticos e pedintes,
malvados e tascas,
negociantes de berlindes,
pobres e paupérrimos,
ricos e ricalhaços,
amas e amantes,
munições e marinheiros,
cagões e farsantes,
mansões e pardieiros,
camas com percevejos,
criadas com mealheiros,
pedantes e tesos,
e eu... sim, eu e isto tudo.
encontrei-me com este cocktail
Pântanos, pragas e profetas,
barracas, bestas e burros,
tudo isto à mistura com tretas
e ainda prostitutas e proxenetas
Pântanos, pragas e profetas,
barracas, bestas e burros,
prostitutas e proxenetas,
salamandras e casmurros,
cardeais e panascas,
políticos e pedintes,
malvados e tascas,
negociantes de berlindes,
pobres e paupérrimos,
ricos e ricalhaços,
amas e amantes,
munições e marinheiros,
cagões e farsantes,
mansões e pardieiros,
camas com percevejos,
criadas com mealheiros,
pedantes e tesos,
e eu... sim, eu e isto tudo.
sábado, 22 de fevereiro de 2014
O segredo de Deus
Adão e Abraão
fizeram uma combinação,
não divulgamos a Cabala
e tudo fica em segredo,
o segredo da alma,
o segredo de Deus
Por isso
o Pentateuco e a Torá
só revelam a meia voz
o que é na verdade a vida,
sobre o que há
antes de nós e depois de nós,
donde vimos, para aonde vamos,
ou seja, o segredo de Deus
Deixem continuar esse segredo
e que a Cabala não o revele,
é melhor termos dúvidas sobre o aquém e o além,
apesar do desconforto de termos medo
de sermos ninguém
Adão e Abraão
fizeram uma combinação,
não divulgamos a Cabala
e tudo fica em segredo,
o segredo da alma,
o segredo de Deus
Por isso
o Pentateuco e a Torá
só revelam a meia voz
o que é na verdade a vida,
sobre o que há
antes de nós e depois de nós,
donde vimos, para aonde vamos,
ou seja, o segredo de Deus
Deixem continuar esse segredo
e que a Cabala não o revele,
é melhor termos dúvidas sobre o aquém e o além,
apesar do desconforto de termos medo
de sermos ninguém
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014
Fui carteiro
De facto,
em tempos idos,
quando era muito mais novato,
distribuí cartas e aerogramas
pelas aldeias da minha serra
pedalando numa bicicleta
pesada e pasteleira
que só andava em linha recta
e que fazia uma tal chiadeira
que não era preciso tocar à campainha
para anunciar a chegada do carteiro
às mães da minha terra
que tinham um filho na guerra
ou o marido no estrangeiro
De facto,
em tempos idos,
quando era muito mais novato,
distribuí cartas e aerogramas
pelas aldeias da minha serra
pedalando numa bicicleta
pesada e pasteleira
que só andava em linha recta
e que fazia uma tal chiadeira
que não era preciso tocar à campainha
para anunciar a chegada do carteiro
às mães da minha terra
que tinham um filho na guerra
ou o marido no estrangeiro
terça-feira, 18 de fevereiro de 2014
O programa cautelar
Hoje bateram à minha porta
e ouvi uma voz a dizer:
- Deixe-nos entrar,
somos o programa cautelar
- São o quê?
E a voz repetiu
- Somos o programa cautelar,
deixe-nos entrar
- Mas eu não costumo comprar cautelas
- Mas nós não vendemos cautelas
- Então vendem o quê ?
- Vendemos programas cautelares
- E não é a mesma coisa?
Como não responderam
não lhes abri a porta,
era o que faltava
atender vendedores de cautelas
à minha porta
Hoje bateram à minha porta
e ouvi uma voz a dizer:
- Deixe-nos entrar,
somos o programa cautelar
- São o quê?
E a voz repetiu
- Somos o programa cautelar,
deixe-nos entrar
- Mas eu não costumo comprar cautelas
- Mas nós não vendemos cautelas
- Então vendem o quê ?
- Vendemos programas cautelares
- E não é a mesma coisa?
Como não responderam
não lhes abri a porta,
era o que faltava
atender vendedores de cautelas
à minha porta
domingo, 16 de fevereiro de 2014
O errante
Faz muito frio e anoitece,
sou um estranho nestas paragens,
ninguém me conhece,
os caminhos trouxeram-me aqui
e não me perguntem por onde passei,
nem o que vi
Olho em redor,
dacolá sai uma luz,
talvez lá dentro more o conforto
e o calor,
apetece-me pedir para entrar,
mas recuo,
as gentes daquele abrigo
podem não entender o que eu digo,
oh meu Deus,
quanto deve custar ser mendigo
Amanhece e faz muito frio,
estou ainda no mesmo sítio,
mas esqueço a cor do anoitecer
e, contemplando a clara madrugada,
tomo outro rumo,
outra estrada
"afinal não és mendigo,
és apenas um errante"
diz-me uma voz distante
que me conhece
Faz muito frio e anoitece,
sou um estranho nestas paragens,
ninguém me conhece,
os caminhos trouxeram-me aqui
e não me perguntem por onde passei,
nem o que vi
Olho em redor,
dacolá sai uma luz,
talvez lá dentro more o conforto
e o calor,
apetece-me pedir para entrar,
mas recuo,
as gentes daquele abrigo
podem não entender o que eu digo,
oh meu Deus,
quanto deve custar ser mendigo
Amanhece e faz muito frio,
estou ainda no mesmo sítio,
mas esqueço a cor do anoitecer
e, contemplando a clara madrugada,
tomo outro rumo,
outra estrada
"afinal não és mendigo,
és apenas um errante"
diz-me uma voz distante
que me conhece
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014
Eu e os 4 elementos
Deixem correr o rio que sinto dentro de mim,
não o moderem com açudes ou barragens,
não limitem o seu curso nem as suas margens,
que corra livre e caudaloso até ao seu fim
Deixem-me respirar o ar que me envolve
e que me aconchega neste meio ambiente
que é apenas uma esfera de ar frio e quente
que se conserva cheia e não se dissolve
Deixem-me cuspir fogo quando sou vulcão,
quando a raiva se molda em magma incandescente
e cada sopro meu se transforma em erupção
Deixem-me afinal pisar apenas este chão
feito de pedra e barro e é-me indiferente
se lhe chamam terra ou se lhe chamam plutão
Deixem correr o rio que sinto dentro de mim,
não o moderem com açudes ou barragens,
não limitem o seu curso nem as suas margens,
que corra livre e caudaloso até ao seu fim
Deixem-me respirar o ar que me envolve
e que me aconchega neste meio ambiente
que é apenas uma esfera de ar frio e quente
que se conserva cheia e não se dissolve
Deixem-me cuspir fogo quando sou vulcão,
quando a raiva se molda em magma incandescente
e cada sopro meu se transforma em erupção
Deixem-me afinal pisar apenas este chão
feito de pedra e barro e é-me indiferente
se lhe chamam terra ou se lhe chamam plutão
sábado, 8 de fevereiro de 2014
Calhou-me um popó
Vejam só
o que me aconteceu,
calhou-me um popó
novo e de gama alta,
mas que grande fartura,
mas não me faz falta
esse popó,
preferia antes
um quadro do Miró
Mas que grande fartura
o meu popó,
gasta 15 litros aos cem
de gasolina
e só para lhe limparem
o pó
tenho que lá deixar a minha
camisa
Mas que grande fartura
o meu popó,
preferia antes um quadro do Miró
sem factura
Vejam só
o que me aconteceu,
calhou-me um popó
novo e de gama alta,
mas que grande fartura,
mas não me faz falta
esse popó,
preferia antes
um quadro do Miró
Mas que grande fartura
o meu popó,
gasta 15 litros aos cem
de gasolina
e só para lhe limparem
o pó
tenho que lá deixar a minha
camisa
Mas que grande fartura
o meu popó,
preferia antes um quadro do Miró
sem factura
sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014
Fui feliz em Vaiamonte
Sete sestas
eu dormi
na casa das giestas
O silêncio e o calor
e o cheiro a erva também
fizeram-me viajar
em sonhos de esplendor
que quase atingi o além
Para não falar do anoitecer
e do luar
e dos sons do monte
e do sol a nascer
dos lados da aldeia
que dizem chamar-se Vaiamonte
E ainda da simpatia
de quem nos acolheu
e acompanhou desde o primeiro dia
Saudades eu tenho, pois,
daquela casinha
que, por ser das giestas,
nunca será minha,
mas prometo voltar lá
nas próximas festas
Sete sestas
eu dormi
na casa das giestas
O silêncio e o calor
e o cheiro a erva também
fizeram-me viajar
em sonhos de esplendor
que quase atingi o além
Para não falar do anoitecer
e do luar
e dos sons do monte
e do sol a nascer
dos lados da aldeia
que dizem chamar-se Vaiamonte
E ainda da simpatia
de quem nos acolheu
e acompanhou desde o primeiro dia
Saudades eu tenho, pois,
daquela casinha
que, por ser das giestas,
nunca será minha,
mas prometo voltar lá
nas próximas festas
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014
O silêncio
Anoitecia lentamente,
a panela cozia a sopa de couves
na lareira em cima duma trempe
que iria encher a minha malga
de um caldo bem quente,
lá fora não se ouvia vivalma,
o povoado estava em silêncio profundo
e a noite pintou-se de breu
à luz da candeia de azeite,
este era o meu mundo
Nessa noite ao deitar-me confortado
com o som do silêncio
ainda ouvi o piar de um mocho
e, ao longe, o latido de um cão,
que logo se calou,
e o silêncio voltou
Terei adormecido em paz
e desde essa noite, que não esqueço,
fiquei a saber que o barulho que o tempo faz,
ao passar por nós,
é simplesmente o silêncio
Anoitecia lentamente,
a panela cozia a sopa de couves
na lareira em cima duma trempe
que iria encher a minha malga
de um caldo bem quente,
lá fora não se ouvia vivalma,
o povoado estava em silêncio profundo
e a noite pintou-se de breu
à luz da candeia de azeite,
este era o meu mundo
Nessa noite ao deitar-me confortado
com o som do silêncio
ainda ouvi o piar de um mocho
e, ao longe, o latido de um cão,
que logo se calou,
e o silêncio voltou
Terei adormecido em paz
e desde essa noite, que não esqueço,
fiquei a saber que o barulho que o tempo faz,
ao passar por nós,
é simplesmente o silêncio
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014
Trocadilhos sobre os ricos e os pobres
Os ricos
fazem salamaleques e queques,
estrebucham na estrebaria,
vendem trapos e cheques,
comem bifes da vazia
e fazem truques de magia
Baloiçam nos balancés
e jogam o jogo da cintura,
nunca levam com os pés
e almoçam com o sr. cura
Andam sempre em bolandas
e falam bem e convencem,
depositam o dinheiro nas holandas
e dizem que têm o que merecem
Os pobres
mendigam salário e pão
e revolvem os caixotes do lixo,
dormem em camas de cartão
enrolados como um bicho
Agora deixo-me de versos
para dizer que os queques
são cada vez mais ricos
e os pobres cada vez mais pobres
e que os pobres só serão menos pobres
se forem aos alforges
dos senhores borges
cada vez mais ricos
à custa dos pobres
Os ricos
fazem salamaleques e queques,
estrebucham na estrebaria,
vendem trapos e cheques,
comem bifes da vazia
e fazem truques de magia
Baloiçam nos balancés
e jogam o jogo da cintura,
nunca levam com os pés
e almoçam com o sr. cura
Andam sempre em bolandas
e falam bem e convencem,
depositam o dinheiro nas holandas
e dizem que têm o que merecem
Os pobres
mendigam salário e pão
e revolvem os caixotes do lixo,
dormem em camas de cartão
enrolados como um bicho
Agora deixo-me de versos
para dizer que os queques
são cada vez mais ricos
e os pobres cada vez mais pobres
e que os pobres só serão menos pobres
se forem aos alforges
dos senhores borges
cada vez mais ricos
à custa dos pobres
domingo, 2 de fevereiro de 2014
Cair na lama
Por vezes cai-se na lama,
chafurda-se,
e a lama torna-se mais pesada,
mais densa, mais cama
para quem não ousa ter sono
e que transporta uma alma amargurada
que insiste em não querer dono
e vagueia à deriva no tempo
que forjou os tormentos
que atormentam a alma
e os pensamentos
Para quê pensar se isso nos apoquenta,
já questionava o Vergílio Ferreira
na sua Conta Corrente,
e não nos deixa contemplar a eira,
o quintal, o milho a secar, o pio das aves,
a bonança, as tempestades,
o sol, a lua, as estrelas
a noite, o frio, o calor, as flores, as abelhas,
a primavera quando esquenta,
temos que dizer não à morte lenta
Por vezes cai-se na lama,
chafurda-se,
e a lama torna-se mais pesada,
mais densa, mais cama
para quem não ousa ter sono
e que transporta uma alma amargurada
que insiste em não querer dono
e vagueia à deriva no tempo
que forjou os tormentos
que atormentam a alma
e os pensamentos
Para quê pensar se isso nos apoquenta,
já questionava o Vergílio Ferreira
na sua Conta Corrente,
e não nos deixa contemplar a eira,
o quintal, o milho a secar, o pio das aves,
a bonança, as tempestades,
o sol, a lua, as estrelas
a noite, o frio, o calor, as flores, as abelhas,
a primavera quando esquenta,
temos que dizer não à morte lenta
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