sábado, 31 de maio de 2014

Quero

Hoje quero ser o que quero,
hoje quero ter o que quero,
hoje quero ver o que quero,
hoje quero ler o que quero

Hoje quero viver como quero,
hoje quero pensar como quero,
hoje quero chorar como quero,
hoje quero amar como quero

Hoje quero andar sempre nu,
hoje quero exagerar,
hoje quero ser como tu,
hoje quero transbordar

Hoje quero ser andorinha,
colibri, toutinegra, parapente,
hoje quero ser caruma e pinha,
hoje quero ser sarça ardente

E quando começar o amanhã,
quero estar como estava
quando começou o hoje de manhã,
quando acordei do que sonhava

E disse: quero

E não vou deixar que o hoje acabe
sem ser e fazer o que quero,
e para voar só preciso de ser ave
e serei chama se for mais fero

E amanhã vou voltar a dizer quero,
e o dia de amanhã passa a ser hoje
logo que eu acorde de manhã e disser quero
e pode ser que queira o mesmo que quis hoje

E assim sucessivamente
até deixar de dizer quero,
definitivamente

quinta-feira, 29 de maio de 2014

O tempo já passou

Quando perguntas por mim
ainda fico de vigília,
aparece, pois, por cá,
traz-me um doce de tília
e um sumo de maracujá

Vem e não venhas embrulhada no tempo,
que esse já passou e não volta,
e também não tragas lamentos,
nem palavras de revolta

Vem e não venhas combalida
pelas dores das rugas e das desilusões,
não compres bilhete de volta, só de ida,
talvez se encontrem as nossas razões

Vieste e abri-te a porta,
cruzámos as nossas vidas desencontradas,
deste-me o doce e o sumo de maracujá
e falámos sobre tudo e sobre nada

Enrolámo-nos na manta do tempo
a beber o sumo de maracujá
e, embalados pelo som do vento,
concluímos que o que tínhamos já cá não está

Voltaste, pois, com o mesmo bilhete de ida
e deixámos para trás o nosso passado,
afinal, somos apenas dois minúsculos grãos de vida
que germinaram quase tudo e agora quase nada

Adeus

terça-feira, 27 de maio de 2014

Calem-se

- Calem-se,
já não vos quero ouvir,
os vossos gritos, os vossos choros,
incomodam-me, fora daqui,
sou eu que mando, seus cachorros,
sou eu o comandante,
quem duvida disso?
fora daqui, não quero desordens,
quero que do meu palanque
só veja um povo submisso
e que cumpra as minhas ordens,
quero um povo que se vergue
às ordens do seu comandante,
às ordens do seu chefe -

- Calem-se,
vou chamar o exército e a polícia,
canhões de água e balas de borracha,
estavam mesmo a pedi-las,
vou também chamar a milícia,
seus bandalhos, seus canalhas,
seus apátridas,
vou acender as fornalhas
para vos queimar a todos,
só ficarão vivos os que são
da nação -

- Calem-se
e zarpem daqui,
já não vos suporto,
ordeno que morram,
já estou farto,
querem-me morto,
mas eu é que vos mato,
eu sou o comandante supremo
e não suporto que me contestem,
ouviram bem?
ouviram bem? -

Ninguém respondeu,
calaram-se todos,
alguém morreu?
se calhar, todos

Abaixo os ditadores,
todos,
mesmo os que são eleitos
por tolos

domingo, 25 de maio de 2014

Dia de eleições

Hoje vesti o meu fato novo,
uma camisa branquinha
e uma gravata cor de ovo,
e fui pôr uma cruzinha
no meu boletim de voto

A primeira vez que dei o meu voto
(note-se que nunca mo compraram)
foi nas primeiras eleições
da nossa democracia
e andava tudo aos encontrões,
quase ao murro,
tal era a vontade de chegar primeiro,
ora agora empurro
eu, ora agora empurras tu

Eu, que já era licenciado em materialismos dialécticos,
estava na dúvida em dar o meu voto aos estalinistas,
aos trotsquistas, ou aos maoistas,
acho que escolhi os mais dialécticos

Agora é tudo tão ordenado,
tão limpinho, tão civilizado,
sem confusões,
que me deixa confortado,
mas, que pena a minha,
já quase perdi as ilusões

Mas hoje votei para a Europa,
votei, porque voto sempre
e porque quero uma Europa
mais solidária, mais fraterna, menos egoísta,
uma Europa que não seja só dos ricos
que vão de vento em popa,
uma Europa de pleno emprego
e sem os truques da alta finança
que nos provocam medo
e que nos tiram a esperança

Hoje votei para a Europa
porque sim,
porque ainda acredito
e sei que sem esta Europa,
mesmo com muitos defeitos,
voltará a guerra e a fome;
que façam um bom trabalho
senhores eleitos

sexta-feira, 23 de maio de 2014

O homem de pedra

O homem é de pedra
como a pedra que ele quebra
na pedreira
com os braços e picaretas
e marretas
na pedreira

Ele tem a pele escura
com rugas bem cavadas,
cheira a pó e a bagaço,
é de falas curtas e vagas
e o seu olhar é baço
como a luz de uma caverna,
é um olhar de cansaço
e de vapores de taberna
onde ele afoga as tristezas
em copos de ilusões
que lhe fazem ver o mundo
ao contrário,
mas nunca perde o rumo,
nunca perde o caminho que o conduz
à pedreira de calcário

E ele pensa
que a vida sem o cheiro do pó
da pedra
não vale, não compensa,
mas ele só tem paciência para estar só
e não medra

É assim o homem da pedreira,
é rijo, é seco, é de pedra,
e parece que não quebra, mas quebra,
quebra a pedra na pedreira
e quebra também o seu coração,
que não é de pedra, mas de manteiga

terça-feira, 20 de maio de 2014

Hoje é dia de irem à feira de São Mamede

Hoje é dia de irem à feira,
à feira dos vinte,
tragam-me de lá uma seira,
ou uma cesta de vime,
com muita abundância
de doces e de mimos
e de outros carinhos
que se dão a uma criança

Não me digam que não têm dinheiro
para gastar na feira,
porque não vendem o gado,
porque não vendem a jeira,
falta-me agasalho,
os meus sapatos quase não têm sola,
não quero parecer um espantalho,
não quero ir para a escola
assim, quase descalço

Hoje é dia de irem à feira
e se não tiverem dinheiro
para irem na carreira,
vão a cavalo no burro,
ele conhece o carreiro
que vai direito à feira
e ele não é casmurro

Hoje eles não foram à feira,
à feira dos vinte,
disseram-me que iam à seguinte,
à feira dos quatro,
e ninguém tem dó de mim,
um pobre coitado,
porque eles não foram à feira dos vinte
e também não foram à seguinte,
à feira dos quatro,
e à seguinte, e à seguinte ...

E ninguém tinha dó de mim
naqueles dias de ir à feira
quando eu era criança,
porque esses dias eram para mim
a ilusão da abastança,
o desejo de nada me faltar,
e a chama da esperança
de poder um dia comprar
tudo o que eu quisesse
na feira de São Mamede,
a feira dos vinte, ou a feira dos quatro

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Olá, malta AML

Bom dia,
e que tenham uma boa semana de trabalho,
é segunda, já assinaram o livro de ponto?
não me venham com desculpas para o atraso,
está bem, eu desculpo e não desconto,
para além disso, o atrasado agora
sou somente eu,
aliás, acabo sempre por não chegar,
é que o despertador já não toca,
não sei o que lhe deu,
deve ser falta de ar

Mas isso não é desculpa,
vamos lá malta AML,
que tenham muita energia
e alegria
para enfrentar a rotina
dos processos declarativos
e não desistam da faina
de resolver os imprevistos,
de ver o que não está bem à vista
e de descobrir o que está bem escondido

Força, malta AML,
e hoje não olhem para o recibo
do vencimento,
façam o que vos digo,
senão lá se vai o alento,
e os que de vós têm poderes
para falar ao divino, ao supremo,
que orientem agora as suas preces
para a Nossa Senhora do Vencimento,
de São João da Pesqueira,
e peçam-lhe para que não nos tirem mais dinheiro
e que voltem a pôr na nossa algibeira
aquele que já nos sacaram à má fila
para darem ao Nosso Senhor Banqueiro

E que peçam também ao Nosso Senhor dos Aflitos
para que os mercados do dinheiro
não se voltem a enervar,
porque se isso acontecer,
bem podemos implorar, chorar, gritar.
que ninguém nos vai socorrer,
é que agora com um segundo resgate
iremos todos para abate,
só nos restará rezar à Nossa Senhora da Ortiga
para nos livrar das dores que temos na barriga
quando ela está vazia

sexta-feira, 16 de maio de 2014

A queima das fitas e a fita da minha filha

Olá, filha,
gostava de te te oferecer uma fita
escrita a tinta de oiro
e que fosse cortada de um pano de linho
tecido com fios tirados da dobadoira
da senhora tua bisavó que foi a minha avó
e que me deu tanto mimo

Quero que saibas
que essa senhora tua bisavó
era de tez escura e de rosto enxuto,
carregava pobreza e amarguras
e cobria-se de um pesado luto
pelo desaparecimento prematuro
do pai dos seus cinco filhos,
quase todos ainda por criar,
que, momentos antes de morrer
na sua cama de lençóis de linho,
ainda trejeitou um último esgar
e pediu que lhe dessem de beber
um copo de vinho,
e morreu sem o beber,
não porque não tivesse ainda fôlego,
mas porque ninguém lho deu,
e foi-se para o eterno aconchego
sem o cheiro do vinho,
sem o cheiro daquilo que o matou
mais cedo

Isto disse-me a tua avó
que era a minha mãe
e que tu conheceste bem
e que também me disse
que a tua bisavó que era sua mãe
não queria morrer sem ver o mar,
e morreu sem ver o mar

Ficas também a saber
que a tua avó
que era a minha mãe
segredou-me também
que não queria morrer
sem saber ler nem escrever,
e morreu sem saber ler nem escrever,
e isto digo-te eu que sou teu pai

Ofereço-te, pois, esta fita
de cetim, ou de seda, como queiras,
e peço-te que a guardes para ti
e, por saberes ler e escrever,
até em línguas estrangeiras,
faz com que os teus antepassados
que morreram sem ver o mar
e sem saber ler nem escrever
não venham a saber um dia,
lá na eternidade,
que tu não aproveitaste o teu saber

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Os passantes

Ando e cruzo-me com os que também andam,
todos andamos,
uns andam e pensam, outros nem tanto,
uns irão a congeminar,
outros a tergiversar, outros a resmungar,
outros a versejar,
como eu,
mas todos andam no passeio,
uns vêm e outros vão
e eu no meio

Tenho instantes
que me levam a parar
e a olhar mais atento para o rosto dos passantes
e gostava que me contassem a sua vida,
momentos maus, momentos interessantes,
onde nasceram, o que estão a fazer,
o que fizeram, o que vão fazer de seguida,
se sabem que vão morrer ...

Será que alguém responderia
às minhas perguntas, à minha curiosidade?
o melhor é continuar a andar
e ser mais um passante nos passeios da cidade,
mas se alguma vez alguém me fizer parar
e quiser saber por que estou a passar,
eu contarei tudo, tudo, até me mandarem calar

terça-feira, 13 de maio de 2014

O Auto das Tendas dos Milagres


Um tendeiro fora da lei
Cheguem-se aqui, curo todos os males,
cheguem-se aqui, faço mais barato,
desde a inveja ao mau olhado
até aos bichos caranguejos
nas tripas,
nada escapa aos meus gargarejos,
às minhas magias,
ao meu revigorante muco de lesmas,
ao meu pau-de-cabinda,
ao meu creme para eczemas,
ao meu bálsamo da Índia ...

Um polícia das tendas
O senhor é um impostor
e está a brincar com a dor,
só cura por milagre
quem é santo, ou santa,
ou quem tem um mandato
para ser candidato
a santo ou a santa,
e os santos e as santas
não cometem pecados,
pelo menos depois de santificados,
e o senhor não é santo,
nem candidato a santo,
está sempre a pecar,
por isso ponha-se a andar
e deixe a tenda livre para aí abancar
quem tem poderes para curar

Uma tendeira dentro da lei
Compre aqui uma vela
na minha bancada
que está muito perto
do sítio das visões,
com uma vela de cera a arder
e muitas orações
a cura é garantida,
e a vela arde e não se consome,
é ecológica,
arde e não se consome
e volta a ser vela
que volta a arder
e só se consome a mecha,
compre-me uma vela de parafina
que arde e não se consome,
é cura garantida,
menos para a fome

O coro
Não via e já vejo,
não andava e já ando,
tinha um bicho caranguejo
e já não o tenho,
não ouvia e já ouço,
não podia e já posso,
milagre... milagre

Eu
Quem sabe se não é mesmo assim:
primeiro, as aflições;
depois, uma promessa;
e uma vela;
e muitas orações;
e uma esmola;
e mais orações;
e mais promessas;
e mais esmolas;
e mais velas a arder;
e um milagre e mais outro milagre

O coro
É a fé, é a fé,
e a fé vence tudo,
menos a miséria e o azar

Outra vez eu
Quem me dera ter a humildade
de acreditar em aparições,
de acreditar em milagres,
de acreditar em visões,
de acreditar em imagens,
de acreditar em rituais,
quem me dera não ter dúvidas

O coro
Não via e já vejo,
não andava e já ando,
tinha um bicho caranguejo
e já não o tenho,
não ouvia e já ouço,
não podia e já posso
milagre... milagre

Um transeunte sem fé
e que não sabe o que se passa
C'um raio,
nunca vi tanta gente junta,
quase desmaio,
e tanta tenda a vender velas
e estátuas de defunta,
c'um raio,
tanto xaile preto, tanto pranto,
tanta cantoria, tanto ai,
tanto lenço branco,
parece que estão a acenar
a alguém muito importante

Um pagador de promessas
Ó Nossa Senhora,
aceita esta minha humilde esmola
(e deposita uma nota de cinquenta euros
na caixa receptora),
não tenho emprego
e preciso da tua ajuda,
não me abandones, tenho medo,
tenho fome e família e a vida é dura,
o que vai ser de nós sem a tua ajuda?

O coro
É a fé, é a fé,
a fé vence tudo,
menos a miséria e o azar,
mas esta fé
tem mais valor
porque veio a pé
de muito longe

O criado que limpa o local onde ardem as velas
Hoje esta pá
está-me mais pesada,
e estou sozinho
a limpar esta massa
de cera derretida
que cheira a borras de vinho,
mas que grande porcaria,
eu aqui sozinho
a limpar esta fossa
cheia de parafina ardida,
e ainda por cima é tóxica,
ai os meus pulmões,
ai a minha vida,
e por isto só recebo cinco tostões

O coro
É a fé, é a fé,
e a fé vence tudo,
menos a miséria e o azar

O contador das esmolas
Hoje esta pá
está-me muito pesada
e é tanta moeda para arrecadar
que isto só lá vai com muitas pazadas,
mas que grande quantia,
e as notas já foram arrecadadas
em grossos maços de papelão,
mas que grande quantia,
e eu com a minha carteira vazia,
mas que grande tentação

O coro
É a fé, é a fé,
e a fé vence tudo,
menos a miséria e o azar,
e deixa-te de tentações
ó contador de esmolas,
cala-te e toca a contar
e a encher as padiolas

Uma nota de cinquenta euros
Mas onde é que eu estou?
já não estou na carteira
que cheirava a sebo
e onde não tinha companheira,
agora estou embalada
num pacote com selo,
para aonde me irão levar?
já estou parada,
ouço vozes, estou num banco,
estou depositada
junto a muitas outras notas
iguais a mim, com as mesmas siglas,
mas onde estarei?
ah, ouvi agora,
estou num banco das Caraíbas

Outra vez eu
Quem me dera ter a humildade
de acreditar em aparições,
de acreditar em milagres,
de acreditar em visões,
de acreditar em imagens,
de acreditar em rituais,
quem me dera não ter dúvidas

O coro
É a fé, é a fé,
e a fé vence tudo,
menos a miséria e o azar

Fim

sábado, 10 de maio de 2014

Indecifrável

Carrascos e tojos,
escardoça nas janelas,
erva seca e palha aos molhos
empilhados nas medas

Urzes e alecrim,
urtigas e papoilas,
não esperes hoje por mim,
vou atrás das moçoilas

Rezas e pozinhos,
malmequeres, bem me queres,
santos e santinhos,
quartas e meios alqueires

Frio e correntes de ar,
sótãos com êngoras,
ratazanas no lagar,
cagadoiro fora de portas

Cheiros a bosta e a unto,
aguardente e gemadas,
toucinho em vez de presunto,
mexudas e tachadas

Ventosas e papas de linhaça,
garrotilho e esfoira,
nascidas e febre da carraça,
prepara-te para a lavoira

Cangas e aguilhões,
cangostas até à cerrada,
fugiu uma vaca ao Simões
e emborcou-lhe a carrada

E eu à frente das vacas
e atrás a charrua e o rego,
ficavam as terras lavradas
e eu lavado em suor e ofego

sexta-feira, 9 de maio de 2014

As seis caravelas

As notícias não se calaram,
anteontem atracaram
no Porto de Lisboa
seis caravelas,
ficaram todas juntinhas,
qual delas
a mais bela,
comentavam as varinas

Vinham cheias de gente gira,
de silhuetas espampanantes
e vaidosas,
Lisboa merece uma visita
nem que seja só por três horas,
dizia o seu alcaide

Por isso,
acabou-se a ginjinha no Rossio,
a tasca do Petisco
esgotou o creme de cenouras
e teve que repor as empadas de galinha,
a loja do Evaristo
vendeu todas as vassouras,
a palha de aço e a farinha,
a loja da Tatão
ficou sem os tecidos de seda
e de organdi e não deu vazão
a tanto pedido,
o Grandela
não aguentou a confusão
e teve que encerrar a cancela
antes da hora,
a loja de música da Rua do Carmo
vendeu todos os discos de folclore
e de fado,
o balcão dos pastéis de Belém
rebentou pelas costuras
e nas ruas da Prata, do Ouro e Augusta
não cabia mais ninguém,
mas, pelo que ouço,
ninguém perguntou quanto custa
a nossa prata e o nosso ouro

E ao cair do dia
foram-se embora as caravelas
e a sua gente gira,
Lisboa ficou a vê-las
a descer o Tejo,
e ficou mais triste o entardecer
porque se foram embora as caravelas

E fizeram-se as contas
e as notícias disseram depois
que a gente gira
não era assim tão rica,
não gastaram milhões,
como estava previsto,
mas só quinhentos,
paciência, digo eu,
somos mesmo maus
a fazer orçamentos

terça-feira, 6 de maio de 2014

Gostava

Gostava de gostar um pouco
mais de ti,
gostava de gostar um pouco
mais de mim,
gostava de ser menos louco
quando estou fora de mim
e de ti

Gostava de ser mais um pouco
quando perguntam por mim,
gostava de viver mais um pouco
e menos louco,
porque ainda perguntam por mim
e porque assim o fim
já não está por pouco,
por um fio,
e vou ser até ao fim
assim,
um pouco menos louco
porque ainda perguntam por mim

sábado, 3 de maio de 2014

A roda do tempo

A vida é esta energia
que transporta a nossa existência,
faz-nos avançar no tempo,
sempre à mesma cadência,
sempre em frente,
não volta atrás,
e nesta corrente
embarca toda a gente,
ninguém fica para trás,
e só vão mais à frente
os que vêm mais de trás

Com essa mesma energia,
caminhamos na dimensão do espaço,
uns com vagar, outros mais apressados,
mas ninguém, mesmo ninguém,
consegue mexer na roda do tempo,
e ainda bem

Porque se não fosse assim,
os que podem comprar energia
para poderem andar mais depressa no espaço,
poderiam também comprar energia
para poderem mexer na roda do tempo,
adaptando-a aos humores do seu cansaço,
ora atrasando-a, ora adiantando-a, ora parando-a,
como se o tempo fosse um compasso,
ou uma tômbola, ou uma girândola,
e assim o tempo poderia ser comprado,
como se compra o espaço

Continuem, pois, os apressados
a andar com pressa no espaço,
que corram, que lutem, que se esfolem,
que passem por cima, que passem ao lado,
que passem por baixo,
que utilizem a violência, que sejam velozes,
que enriqueçam, que roubem o que lhes apetece,
que gastem mais depressa a energia da existência,
mas na roda do tempo ninguém mexe,
seja pobre, seja rico, seja dono de um harém,
e ainda bem

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Dia do Trabalhador

Varre a rua ó varredor,
varre, varre sem parar,
varre o lixo e a tua dor,
varre o pó do meu olhar

Varre a rua ó varredor,
deixa a calçada a brilhar,
varre o sujo e o bolor,
varre, varre sem parar

Mas hoje, ó varredor
não tens que varrer a rua,
é Dia do Trabalhador,
celebra a festa que é tua

Desce à mina, ó mineiro,
leva o cantil e o farnel,
ficas lá o dia inteiro,
mas não deixes lá a pele

Mas hoje não vás à mina,
fica com o teu amor,
não ligues a quem te mina,
é Dia do Trabalhador

Trabalha ó operário
na forja ou na fábrica,
luta pelo teu salário,
luta pela tua vida

Mas hoje, ó operário,
não vás para o teu labor,
é dia do proletário,
é Dia do Trabalhador

Camponeses ou doutores,
mineiros ou operários,
escrivães ou pescadores,
todos os assalariados

Vamos todos festejar
o dia do trabalhador,
exigir justo salário
por uma vida melhor

Vamos também recordar
com gratidão e com dor
os que caíram a lutar
pelo bem do trabalhador
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Viva o Primeiro de Maio,
viva o Dia do Trabalhador