Doces conventuais
Agarra um camelo,
dos verdadeiros,
dos que marcham no deserto
sem beber
Agita-lhe os tomates
com muita força,
e recolhe em latas
o que lhe sai pela boca
E tens a baba de camelo,
a verdadeira,
não a falsa, a do leite condensado,
das gemas e das claras em castelo,
só calorias e caganeira
E se não te dão baba de camelo,
da verdadeira,
também não aceites toucinho do céu
nem barriga de freira
Porque o toucinho não cai do céu,
nem a barriga de freira é de aluguer,
é tudo para enganar a fome ao ingénuo
e encher-lhe a barriga de merda
São apenas doces conventuais,
diz-me o pasteleiro besuntado
de manteiga, de açúcar mascavado
e de restos de outros minerais
E diz-me também o mesmo pasteleiro
besuntado que os que comem doces
não protestam, com pouco dinheiro
sentem a barriga cheia de nozes
Mas eu prefiro a tigelada de sericaia
feita com amor, rigor e verdade,
lá nas terras alentejanas do Caia,
não engana, nem os tolos, nem a idade
E o pasteleiro besuntado e convencido
prepara todas as noites a massa dos bolos
que só servem para enganar os tolos
que são pobres e julgam ter vida de rico
E voltamos ao camelo
do deserto,
a esse não lhe vão ao pelo,
é esperto,
alomba com as cargas,
mas se decide parar, pára mesmo,
e não há mais frete,
a carga que vá às costas
do diabo que a carregue
sábado, 26 de julho de 2014
quinta-feira, 24 de julho de 2014
Uma tarde
A ventoinha que ventila
o ânimo
está no mínimo,
quase vacila
E corre a tarde amena,
sem vento,
e fico a imaginar o imenso,
em silêncio
E estou leve, num aparente conforto,
como se não fosse corpo,
bastaria uma rabanada de vento
para me levar para esse imenso,
para me levar a planar,
ou a caminhar sobre o mar,
ou a vaguear no firmamento
entre a Aldebarã e a Polar
Mas respiro fundo
e absorvo a pequenez
do meu ser limitado
e a falta de respostas
aos meus porquês,
e fico mais pesado
Mas, porquê?
Mas, porquê?
Tanta pergunta,
tanta dúvida
E respiro, e penso,
e formulo hipóteses
e recorro ao bom senso,
e desisto, não tenho provas
que me provem o imenso
E fico outra vez mais leve, a pairar,
mas tenho uma recaída
e volto às perguntas e às hipóteses,
e não tenho respostas, é a minha sina,
a minha angústia servida em doses
moderadas de paranóia e de ânsia
E fico-me abatido
com a minha insignificância
e ignorância
e, num inquieto sossego,
adormeço
A ventoinha que ventila
o ânimo
está no mínimo,
quase vacila
E corre a tarde amena,
sem vento,
e fico a imaginar o imenso,
em silêncio
E estou leve, num aparente conforto,
como se não fosse corpo,
bastaria uma rabanada de vento
para me levar para esse imenso,
para me levar a planar,
ou a caminhar sobre o mar,
ou a vaguear no firmamento
entre a Aldebarã e a Polar
Mas respiro fundo
e absorvo a pequenez
do meu ser limitado
e a falta de respostas
aos meus porquês,
e fico mais pesado
Mas, porquê?
Mas, porquê?
Tanta pergunta,
tanta dúvida
E respiro, e penso,
e formulo hipóteses
e recorro ao bom senso,
e desisto, não tenho provas
que me provem o imenso
E fico outra vez mais leve, a pairar,
mas tenho uma recaída
e volto às perguntas e às hipóteses,
e não tenho respostas, é a minha sina,
a minha angústia servida em doses
moderadas de paranóia e de ânsia
E fico-me abatido
com a minha insignificância
e ignorância
e, num inquieto sossego,
adormeço
quarta-feira, 23 de julho de 2014
Holanda
Holanda, Países Baixos, holandeses,
eu fui educado por eles,
o José Lataster, o Leonardo,
o Marcos, o Guilherme, o Gerardo,
todos com nomes aportuguesados,
mas eram holandeses,
simples, cultos, simpáticos,
pragmáticos,
aos 12 anos já sabia
que o Salazar era um fascista
Hoje fiquei emocionado,
os holandeses estão de luto,
em silêncio,
naquele país até a revolta
é paciência
Estou convosco
Holanda, Países Baixos, holandeses,
eu fui educado por eles,
o José Lataster, o Leonardo,
o Marcos, o Guilherme, o Gerardo,
todos com nomes aportuguesados,
mas eram holandeses,
simples, cultos, simpáticos,
pragmáticos,
aos 12 anos já sabia
que o Salazar era um fascista
Hoje fiquei emocionado,
os holandeses estão de luto,
em silêncio,
naquele país até a revolta
é paciência
Estou convosco
O ovo
A fêmea galinha põe o ovo
sem dor,
até cacareja,
e se o ovo tem, ou não, pintainho,
depende da arte do macho galo,
que é o dono da capoeira,
e se o macho galo galou bem a fêmea galinha
basta o ovo ficar bem choco
para dar um pinto ou uma pinta
Mas, coitada da fêmea mamífera,
até pode ter gozo
quando é fecundado
o seu ovo,
ou, pelo menos, pode sentir o gozo
do mamífero macho
quando ele é fecundador,
o problema é parir sem dor
o fruto desse gozo
Ainda se fosse
como o ovo da galinha já choco,
em que o nascituro só tem que partir
uma ténue casca de ovo
para ver a luz do dia
Mas não é,
o nascituro da fêmea mamífera
rasga tudo
até lhe darem a ver a luz,
rasga o ventre, o tubo,
as paredes das margens,
rasga também a foz,
e depois de estar cá fora
chora, chora, chora
até lhe darem de mamar
E assim é,
enquanto a galinha
não sofre nada
para ter a sua ninhada,
a fêmea mamífera
sofre horrores para parir
e ainda por cima não descansa,
pois tem logo que dar mama
Apesar de tudo, quem fez isto assim
até o fez bem feito,
imaginemos o que aconteceria
se, mesmo com a fêmea a jeito,
o macho fecundador
não tivesse gozo
quando fecunda o ovo,
seguramente que do ovo
nunca sairia nem pintainho,
nem porquinho,
nem qualquer outro miminho
A fêmea galinha põe o ovo
sem dor,
até cacareja,
e se o ovo tem, ou não, pintainho,
depende da arte do macho galo,
que é o dono da capoeira,
e se o macho galo galou bem a fêmea galinha
basta o ovo ficar bem choco
para dar um pinto ou uma pinta
Mas, coitada da fêmea mamífera,
até pode ter gozo
quando é fecundado
o seu ovo,
ou, pelo menos, pode sentir o gozo
do mamífero macho
quando ele é fecundador,
o problema é parir sem dor
o fruto desse gozo
Ainda se fosse
como o ovo da galinha já choco,
em que o nascituro só tem que partir
uma ténue casca de ovo
para ver a luz do dia
Mas não é,
o nascituro da fêmea mamífera
rasga tudo
até lhe darem a ver a luz,
rasga o ventre, o tubo,
as paredes das margens,
rasga também a foz,
e depois de estar cá fora
chora, chora, chora
até lhe darem de mamar
E assim é,
enquanto a galinha
não sofre nada
para ter a sua ninhada,
a fêmea mamífera
sofre horrores para parir
e ainda por cima não descansa,
pois tem logo que dar mama
Apesar de tudo, quem fez isto assim
até o fez bem feito,
imaginemos o que aconteceria
se, mesmo com a fêmea a jeito,
o macho fecundador
não tivesse gozo
quando fecunda o ovo,
seguramente que do ovo
nunca sairia nem pintainho,
nem porquinho,
nem qualquer outro miminho
segunda-feira, 21 de julho de 2014
Noite de lua cheia
Noite de lua cheia e perdi-me na floresta,
desorientei-me,
e apareceram logo os lobos, as bruxas e os lobisomens
e, em círculo, deram início à festa
Acenderam uma fogueira com achas e caruma,
e em cima de uma trempe gigante
colocaram um panelão com água benta
que não demorou muito a levantar fervura
Animou-se o festim
quando soaram as doze badaladas,
mas que frenesim,
começaram a lançar para o panelão a ferver
muito louro, muita pimenta,
muito sal, muita banha, muito colorau,
enquanto entoavam cânticos às almas penadas
e liam em voz alta a ementa
do manjar do sarau:
corpo de humanóide, cortado aos bocados,
estufado em molho picante, servido em salvas de prata,
acompanhado com abrolhos crus, alhos laminados,
malaguetas desfeitas, trovisco seco, maçaroca assada
e esparregado de nabiças com espinhos de cardos
Noite de lua cheia, meia noite,
e eu perdido na floresta entregue às bruxas
e à sua malévola companhia,
e vou ser o seu repasto, a alcagoita
que vão mastigar até ficarem embuchadas
Mas logo eu que sou tão gordo, tão toucinho,
tão cheio de colesterol e de triglicerídeos,
com tanto veneno no sangue, tão feiinho,
não, não mereço tal destino:
ser cozido num panelão em água benta a ferver,
será que ninguém me está a ver?
será que ninguém me vai valer?
E, ao ver as bruxas com tridentes,
um lobisomem com uma catana na mão
e os lobos a arreganharem os dentes,
comecei a ter a sensação
que já era, já fui, adeus minha gente,
adeus
Foi quando acordei,
estava encharcado em suor frio
e a tremer,
mas estava inteiro e vivo, que alívio,
foi apenas mais um dos sonhos
estapafúrdios que costumo ter,
e garanto-vos que vi bruxas desdentadas
lobos esfomeados e lobisomens de fraque
que me queriam para o seu manjar,
acreditem, é mesmo verdade
Noite de lua cheia e perdi-me na floresta,
desorientei-me,
e apareceram logo os lobos, as bruxas e os lobisomens
e, em círculo, deram início à festa
Acenderam uma fogueira com achas e caruma,
e em cima de uma trempe gigante
colocaram um panelão com água benta
que não demorou muito a levantar fervura
Animou-se o festim
quando soaram as doze badaladas,
mas que frenesim,
começaram a lançar para o panelão a ferver
muito louro, muita pimenta,
muito sal, muita banha, muito colorau,
enquanto entoavam cânticos às almas penadas
e liam em voz alta a ementa
do manjar do sarau:
corpo de humanóide, cortado aos bocados,
estufado em molho picante, servido em salvas de prata,
acompanhado com abrolhos crus, alhos laminados,
malaguetas desfeitas, trovisco seco, maçaroca assada
e esparregado de nabiças com espinhos de cardos
Noite de lua cheia, meia noite,
e eu perdido na floresta entregue às bruxas
e à sua malévola companhia,
e vou ser o seu repasto, a alcagoita
que vão mastigar até ficarem embuchadas
Mas logo eu que sou tão gordo, tão toucinho,
tão cheio de colesterol e de triglicerídeos,
com tanto veneno no sangue, tão feiinho,
não, não mereço tal destino:
ser cozido num panelão em água benta a ferver,
será que ninguém me está a ver?
será que ninguém me vai valer?
E, ao ver as bruxas com tridentes,
um lobisomem com uma catana na mão
e os lobos a arreganharem os dentes,
comecei a ter a sensação
que já era, já fui, adeus minha gente,
adeus
Foi quando acordei,
estava encharcado em suor frio
e a tremer,
mas estava inteiro e vivo, que alívio,
foi apenas mais um dos sonhos
estapafúrdios que costumo ter,
e garanto-vos que vi bruxas desdentadas
lobos esfomeados e lobisomens de fraque
que me queriam para o seu manjar,
acreditem, é mesmo verdade
sexta-feira, 18 de julho de 2014
Os "bags" de cinco litros
Que saudades tenho dos garrafões
de vidro empalhados
de 5 litros que levavam vinho, azeite,
aguardente,
ou o que se quisesse meter lá dentro,
eram a nossa imagem mais perfeita
como povo rústico e bonacheirão,
mais nenhum povo teve um garrafão
como o nosso garrafão
Agora temos aqueles pacotes
que se chamam "bags",
são higiénicos, simpáticos, coloridos,
bonitinhos, com pegas
ergonómicas
e outros picotados de muitas pregas
Mas a minha falta de jeito
para lidar com recipientes hodiernos
torna-se drama com os "bags",
é que nunca consigo pôr direito
aquele mecanismo tão terno
(que é a torneira dos "bags"),
eu dou-lhe voltas, acaricio-o, massajo-o,
envolvo-o com as duas mãos,
puxo-o para fora com cuidado,
mas nunca o consigo pôr direito
a correr para baixo,
será só a minha falta de jeito
para agarrar no pacote?
Talvez, mas se alguma vez
o meu "bag" estoirar
e entornar todo o tinto,
ou todo o branco,
vou-me ao vendedor
e não saio de lá sem um garrafão
de cinco litros de tinto, ou de branco,
do melhor,
e não me digam que o vinho entornado
traz alegria e felicidade,
até pode ser que sim,
mas eu prefiro a alegria que me dá
beber um copo de vinho bem cheio,
do que vê-lo derramado pelo chão,
é que, como já dizia o velho taberneiro,
vinho entornado nem as galinhas o apanham
Que saudades tenho dos garrafões
de vidro empalhados
de 5 litros que levavam vinho, azeite,
aguardente,
ou o que se quisesse meter lá dentro,
eram a nossa imagem mais perfeita
como povo rústico e bonacheirão,
mais nenhum povo teve um garrafão
como o nosso garrafão
Agora temos aqueles pacotes
que se chamam "bags",
são higiénicos, simpáticos, coloridos,
bonitinhos, com pegas
ergonómicas
e outros picotados de muitas pregas
Mas a minha falta de jeito
para lidar com recipientes hodiernos
torna-se drama com os "bags",
é que nunca consigo pôr direito
aquele mecanismo tão terno
(que é a torneira dos "bags"),
eu dou-lhe voltas, acaricio-o, massajo-o,
envolvo-o com as duas mãos,
puxo-o para fora com cuidado,
mas nunca o consigo pôr direito
a correr para baixo,
será só a minha falta de jeito
para agarrar no pacote?
Talvez, mas se alguma vez
o meu "bag" estoirar
e entornar todo o tinto,
ou todo o branco,
vou-me ao vendedor
e não saio de lá sem um garrafão
de cinco litros de tinto, ou de branco,
do melhor,
e não me digam que o vinho entornado
traz alegria e felicidade,
até pode ser que sim,
mas eu prefiro a alegria que me dá
beber um copo de vinho bem cheio,
do que vê-lo derramado pelo chão,
é que, como já dizia o velho taberneiro,
vinho entornado nem as galinhas o apanham
terça-feira, 15 de julho de 2014
A família Espírito Santo
Andam por aí a dizer
que eu sou da família Espírito Santo,
que me chamo
Vitório Ricci Espírito Santo Rei
e que sou bisneto do avô
que deu origem a tão distinta
família divina
Que ignóbil boato,
só pode ser coisa do diabo,
eu sou Vitório, nome próprio,
e sou Rei porque o meu pai era Rei
e a minha mãe Rainha,
e o que deles herdei
é toda a minha riqueza,
a honestidade e a franqueza
Mas, já sonhei muitas vezes
que era podre de rico,
tinha chauffeur e vários mercedes
dormia em hotéis de cinco estrelas
e privava com espíritos santos
rodeado dos maiores faustos,
o pior era quando acordava,
dava-me o fanico;
por isso, em verdade, em verdade vos digo
e se eu fosse Espírito Santo
já teria fugido
para uma das suas ilhas offshores
onde têm o dinheiro dos credores
- Ficar teso e preso é que não,
jamais,
credo, te renego satanás -
grita, em surdina, o Espírito Santo mais mandão,
e ninguém sabia das trafulhices,
nem os governos, nem os tribunais,
nem os amigos, nem os inimigos;
vão todos bugiar,
que encontrem agora, ao menos,
um Espírito Santo de orelha
e que nos diga toda a verdade
E que se afundem, seus vigaristas divinos,
graças a Deus, não tenho acções vossas,
aliás, não tenho acções de ninguém,
o meu salário não dá para comprar acções,
só dá para praticar boas acções,
pratiquem também vocês agora uma boa acção,
paguem o que devem, seus ladrões
Andam por aí a dizer
que eu sou da família Espírito Santo,
que me chamo
Vitório Ricci Espírito Santo Rei
e que sou bisneto do avô
que deu origem a tão distinta
família divina
Que ignóbil boato,
só pode ser coisa do diabo,
eu sou Vitório, nome próprio,
e sou Rei porque o meu pai era Rei
e a minha mãe Rainha,
e o que deles herdei
é toda a minha riqueza,
a honestidade e a franqueza
Mas, já sonhei muitas vezes
que era podre de rico,
tinha chauffeur e vários mercedes
dormia em hotéis de cinco estrelas
e privava com espíritos santos
rodeado dos maiores faustos,
o pior era quando acordava,
dava-me o fanico;
por isso, em verdade, em verdade vos digo
e se eu fosse Espírito Santo
já teria fugido
para uma das suas ilhas offshores
onde têm o dinheiro dos credores
- Ficar teso e preso é que não,
jamais,
credo, te renego satanás -
grita, em surdina, o Espírito Santo mais mandão,
e ninguém sabia das trafulhices,
nem os governos, nem os tribunais,
nem os amigos, nem os inimigos;
vão todos bugiar,
que encontrem agora, ao menos,
um Espírito Santo de orelha
e que nos diga toda a verdade
E que se afundem, seus vigaristas divinos,
graças a Deus, não tenho acções vossas,
aliás, não tenho acções de ninguém,
o meu salário não dá para comprar acções,
só dá para praticar boas acções,
pratiquem também vocês agora uma boa acção,
paguem o que devem, seus ladrões
domingo, 13 de julho de 2014
Não chores, Brasil
Ei, vocês aí do Brasil,
seus caras de tristezas mil,
não rezem, não chorem,
revoltem-se antes contra quem
vos vende papas e bolos
e ilusões mascaradas em golos,
em rituais, em preces,
me salve iemanjá, orixá candomblé,
Brasil indígena, Brasil africano,
Brasil mestiço, Brasil branco,
Brasil verde e amarelo,
Brasil de todas as cores,
Brasil arco-íris,
não chores
Ei, vocês aí do Brasil,
seus caras de tristezas mil,
não rezem, não chorem,
revoltem-se antes contra quem
vos vende papas e bolos
e ilusões mascaradas em golos,
em rituais, em preces,
me salve iemanjá, orixá candomblé,
Brasil indígena, Brasil africano,
Brasil mestiço, Brasil branco,
Brasil verde e amarelo,
Brasil de todas as cores,
Brasil arco-íris,
não chores
sábado, 12 de julho de 2014
Debaixo da parreira da dona Maria Emília
Para ir dar um beijo à dona Maria Emília,
tenho que descer o íngreme caminho
que me separa do vale, do Vale da Ceta,
mas quando lá chego, cheira-me logo a simpatia
e a tudo o que me recorda a crueza
da vida de uma pessoa tenaz que subia
o mesmo caminho de bicicleta
carregada de chaputa e de sardinha
para vender bem no cimo da serra
nos tempos em que uma sardinha
era para mais do que um e se berravas
por mais ias pegar logo na forquilha
e tirar o esterco às vacas
para saberes o que custava a vida
E a dona Maria Emília
ainda me dá sardinhas
que eu como debaixo da sua parreira
assadas com toda a perícia
e acompanhadas com salada, batatas e pimentos,
tudo regado com vinho tinto à maneira,
e na companhia da sua família,
sempre alegre, sempre porreira,
tudo uma delícia
Um gosta muito de pimentos,
mas só dos vermelhos,
os verdes provocam-lhe indigestão
e incham-lhe os artelhos
O outro come e bebe de tudo,
e depois de tudo comido e bebido
diz que tudo o que come e bebe
lhe faz mal a tudo, e eu condoído
E eu debaixo daquela parreira
também como e bebo de tudo,
e se não estivesse quase barrigudo
ainda bebia mais da velha bagaceira
E, bem satisfeito,
volto a subir o íngreme caminho
que me leva ao lugar da Perulheira
mas tenho que respirar fundo e encher o peito,
e quando chego ao cimo
imagino como era dura
a vida da dona Maria Emília
que subia o mesmo caminho
de bicicleta carregada de chaputa
e de sardinha
Bem haja dona Maria Emília
Para ir dar um beijo à dona Maria Emília,
tenho que descer o íngreme caminho
que me separa do vale, do Vale da Ceta,
mas quando lá chego, cheira-me logo a simpatia
e a tudo o que me recorda a crueza
da vida de uma pessoa tenaz que subia
o mesmo caminho de bicicleta
carregada de chaputa e de sardinha
para vender bem no cimo da serra
nos tempos em que uma sardinha
era para mais do que um e se berravas
por mais ias pegar logo na forquilha
e tirar o esterco às vacas
para saberes o que custava a vida
E a dona Maria Emília
ainda me dá sardinhas
que eu como debaixo da sua parreira
assadas com toda a perícia
e acompanhadas com salada, batatas e pimentos,
tudo regado com vinho tinto à maneira,
e na companhia da sua família,
sempre alegre, sempre porreira,
tudo uma delícia
Um gosta muito de pimentos,
mas só dos vermelhos,
os verdes provocam-lhe indigestão
e incham-lhe os artelhos
O outro come e bebe de tudo,
e depois de tudo comido e bebido
diz que tudo o que come e bebe
lhe faz mal a tudo, e eu condoído
E eu debaixo daquela parreira
também como e bebo de tudo,
e se não estivesse quase barrigudo
ainda bebia mais da velha bagaceira
E, bem satisfeito,
volto a subir o íngreme caminho
que me leva ao lugar da Perulheira
mas tenho que respirar fundo e encher o peito,
e quando chego ao cimo
imagino como era dura
a vida da dona Maria Emília
que subia o mesmo caminho
de bicicleta carregada de chaputa
e de sardinha
Bem haja dona Maria Emília
sexta-feira, 11 de julho de 2014
O Alcides
Fui à janela e vi o Alcides,
há muito tempo que não o via,
ainda tem aquela cara de curdo,
o cabelo em espinha
e o bigode farfalhudo,
mas o Alcides está mais velho,
vejo como ele caminha,
a cambalear, a coxear,
e tem o ventre proeminente,
pareceu-me que ia a resmungar,
estará doente?
Ó Alcides, Ó Alcides,
não me ouviu, está surdo,
o Alcides, o curdo,
o herdeiro do Conde de Benevides,
como ele dizia,
quando nos juntávamos à noite já tarde
sob a bandeira da anarquia,
jovens a filosofar
e sem dinheiro para pagar o jantar,
meia dose de bife de sola, o prato do dia
Ouve-me, Alcides, ouve-me, Alcides,
e o Alcides desapareceu da minha vista,
foi-se, seguiu a sua vida,
será que ele ainda é anarquista?
será que ele ainda acredita na revolução?
Merda, o nosso tempo passou
e não fizemos a revolução
Fui à janela e vi o Alcides,
há muito tempo que não o via,
ainda tem aquela cara de curdo,
o cabelo em espinha
e o bigode farfalhudo,
mas o Alcides está mais velho,
vejo como ele caminha,
a cambalear, a coxear,
e tem o ventre proeminente,
pareceu-me que ia a resmungar,
estará doente?
Ó Alcides, Ó Alcides,
não me ouviu, está surdo,
o Alcides, o curdo,
o herdeiro do Conde de Benevides,
como ele dizia,
quando nos juntávamos à noite já tarde
sob a bandeira da anarquia,
jovens a filosofar
e sem dinheiro para pagar o jantar,
meia dose de bife de sola, o prato do dia
Ouve-me, Alcides, ouve-me, Alcides,
e o Alcides desapareceu da minha vista,
foi-se, seguiu a sua vida,
será que ele ainda é anarquista?
será que ele ainda acredita na revolução?
Merda, o nosso tempo passou
e não fizemos a revolução
quarta-feira, 9 de julho de 2014
O meu aspirador
Liguei o aspirador,
vrummmmmmmm,
não passa de um bicho robot
e sempre mal disposto,
vrummmmmmmm,
enganei-me no acessório
e aspirei a minha paciência
em vez do pó
da despensa
O meu aspirador
é um corpo com motor,
mas não anda sozinho,
para andar tem que ser puxado,
é só mimo,
e depois tem tubos, escovas, bocais,
filtros, mangueiras, pegas, e tem um saco,
e eu aflito
Vrummmmmmmmm,
e no hall dos quartos, não sei como, enrolei
o meu pé direito no cabo que liga o meu aspirador
à electricidade e dei uma tal pirueta que fiquei
de pernas para o ar em cima do corpo
do meu aspirador e ele sempre a bombar
e eu tombado, vergado, todo torto,
a transpirar, em brasa,
vrummmmmmmmmm,
cala-te seu badameco,
seu tractor de trazer por casa,
não vês o que me fizeste?
Vrummmmmmmmm,
não se calou,
continuou a aspirar os pós
e os pozinhos e os novelos
de cabelos,
e o meu aspirador encheu o saco
de pó e de tudo o que fica de nós
no chão, no soalho
E esvaziei o saco cheio,
mas fi-lo com tanta falta de jeito
que o pó saiu-me do saco
como se fosse fogo-fátuo
e espalhou-se à minha volta
e voltou a voar à solta
e voltou a assentar no meu soalho
que já estava aspirado e lavado
Liguei outra vez o aspirador,
vrummmmmmm,
e ele aspirou outra vez o mesmo pó
que saía em tornado
do corpo do aspirador,
fiquei atónito,
esqueci-me de pôr o saco
Liguei o aspirador,
vrummmmmmmm,
não passa de um bicho robot
e sempre mal disposto,
vrummmmmmmm,
enganei-me no acessório
e aspirei a minha paciência
em vez do pó
da despensa
O meu aspirador
é um corpo com motor,
mas não anda sozinho,
para andar tem que ser puxado,
é só mimo,
e depois tem tubos, escovas, bocais,
filtros, mangueiras, pegas, e tem um saco,
e eu aflito
Vrummmmmmmmm,
e no hall dos quartos, não sei como, enrolei
o meu pé direito no cabo que liga o meu aspirador
à electricidade e dei uma tal pirueta que fiquei
de pernas para o ar em cima do corpo
do meu aspirador e ele sempre a bombar
e eu tombado, vergado, todo torto,
a transpirar, em brasa,
vrummmmmmmmmm,
cala-te seu badameco,
seu tractor de trazer por casa,
não vês o que me fizeste?
Vrummmmmmmmm,
não se calou,
continuou a aspirar os pós
e os pozinhos e os novelos
de cabelos,
e o meu aspirador encheu o saco
de pó e de tudo o que fica de nós
no chão, no soalho
E esvaziei o saco cheio,
mas fi-lo com tanta falta de jeito
que o pó saiu-me do saco
como se fosse fogo-fátuo
e espalhou-se à minha volta
e voltou a voar à solta
e voltou a assentar no meu soalho
que já estava aspirado e lavado
Liguei outra vez o aspirador,
vrummmmmmm,
e ele aspirou outra vez o mesmo pó
que saía em tornado
do corpo do aspirador,
fiquei atónito,
esqueci-me de pôr o saco
domingo, 6 de julho de 2014
Bebemos sangria
Ontem bebemos sangria,
sangria de vinho tinto de uvas pretas,
trincadeiras,
que, por se colorirem de preto
quando amadurecem nas videiras,
deveriam dar vinho preto,
e não vinho apenas tinto,
depois de serem massacradas no lagar
e obrigadas a largar o seu mosto
que dá um néctar muito apreciado
pelos deuses do bom gosto,
o Dionísio e o Baco
E bebemos sangria de vinho tinto
servida com pedaços de fruta fresca,
tudo a borbulhar,
até o próprio recinto
borbulhava de conversas
e de pássaros
que também comiam das travessas
E bebemos sangria,
foi bom, foi simples, foi celestial,
no "Terra", ao Príncipe Real,
em boa companhia
Ontem bebemos sangria,
sangria de vinho tinto de uvas pretas,
trincadeiras,
que, por se colorirem de preto
quando amadurecem nas videiras,
deveriam dar vinho preto,
e não vinho apenas tinto,
depois de serem massacradas no lagar
e obrigadas a largar o seu mosto
que dá um néctar muito apreciado
pelos deuses do bom gosto,
o Dionísio e o Baco
E bebemos sangria de vinho tinto
servida com pedaços de fruta fresca,
tudo a borbulhar,
até o próprio recinto
borbulhava de conversas
e de pássaros
que também comiam das travessas
E bebemos sangria,
foi bom, foi simples, foi celestial,
no "Terra", ao Príncipe Real,
em boa companhia
sexta-feira, 4 de julho de 2014
Reforma
Reforma, rotina parada,
vou ter que pensar, a sério,
vou tentar saber viver,
ou então não fazer nada
Tédio
Ou então vou tentar preencher
uma alma vazia cheia de medo
Remédio
Deitar, acordar, comer,
deitar, acordar, deitar
Dormir
E um dia morrer
e não mais acordar,
isto é, ou não, para rir?
vá, digam lá ...
Não, não vale a pena chorar
Reforma, rotina parada,
vou ter que pensar, a sério,
vou tentar saber viver,
ou então não fazer nada
Tédio
Ou então vou tentar preencher
uma alma vazia cheia de medo
Remédio
Deitar, acordar, comer,
deitar, acordar, deitar
Dormir
E um dia morrer
e não mais acordar,
isto é, ou não, para rir?
vá, digam lá ...
Não, não vale a pena chorar
quarta-feira, 2 de julho de 2014
Desesperadamente
Preciso desesperadamente
de ver gente feliz,
gente contente,
gente com esperança,
gente que quis
e que quer ser gente,
gente de trabalho e de dança
Preciso desesperadamente
de voltar à minha criança
e rever os rostos de gente
de então,
rostos carregados de rugas
cor de carvão
e com risos desdentados,
rostos de nenhuma fartança,
rostos secos e desamparados,
mas sempre com muita esperança
Preciso desesperadamente
agora de sentir essa mesma esperança,
preciso de ver gente em paz,
de ver gente sorridente,
de ver gente capaz
de dar cabo de quem mente
Desesperadamente
não quero ver mais desespero,
mais tristeza, mais desalento,
mais angústia, mais medo,
quero ver esperança, quero, quero,
quero desesperadamente
deixar de esperar o que quero
Preciso desesperadamente
de ver gente feliz,
gente contente,
gente com esperança,
gente que quis
e que quer ser gente,
gente de trabalho e de dança
Preciso desesperadamente
de voltar à minha criança
e rever os rostos de gente
de então,
rostos carregados de rugas
cor de carvão
e com risos desdentados,
rostos de nenhuma fartança,
rostos secos e desamparados,
mas sempre com muita esperança
Preciso desesperadamente
agora de sentir essa mesma esperança,
preciso de ver gente em paz,
de ver gente sorridente,
de ver gente capaz
de dar cabo de quem mente
Desesperadamente
não quero ver mais desespero,
mais tristeza, mais desalento,
mais angústia, mais medo,
quero ver esperança, quero, quero,
quero desesperadamente
deixar de esperar o que quero
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