sexta-feira, 31 de julho de 2015

Credo, tanta merda

Metade dos indianos defeca
ao ar livre, li eu nos jornais,
credo, tanta merda!
são muitos cus, nem menos, nem mais,
são quinhentos e noventa
e sete milhões de cus ao léu,
credo, tanta gente
e tanta merda a ver-se do céu

Os indianos obram assim
porque é mais arejado,
dizem uns,
porque não há sanitas,
dizem outros,
talvez só evacuem caganitas,
digo eu

Vão em fila indiana para o descampado,
as mulheres encostam à direita,
os homens à esquerda,
uns escondem o rabo,
outros é logo ali,
ganha quem fizer mais merda
e verter mais chichi

E como defecarão as mulheres
com aqueles vestidos coloridos?
Como limparão elas as fezes
e outros restos dos corpos moídos?

- Ó vizinha, ó vizinha,
eu já não aguento.
não quer vir comigo ao relento,
tenho medo de cagar sozinha

E eis um país que gasta fortunas
a armar um dos exércitos
mais poderosos da Terra,
um país que tem foguetões, pumas,
satélites,
centenas de aviões de combate,
searas de mísseis terra-terra
e terra-ar,
um país que tem o "Buda Sorridente",
sim, tem o "Buda Sorridente",
o nome de baptismo da sua bomba nuclear
armazenada no grosso ventre
de um Buda a arreganhar o dente

E eis um país
que tem mais sei lá o quê,
tem, tem,
mas não tem dinheiro para sanitas,
nem para canalizar a merda,
credo, tanta merda!

domingo, 26 de julho de 2015

Outra Terra

O Homem descobriu outra Terra,
chama-se Keppler 452b,
mas isto é nome que se dê
a um irmão gémeo
que também respira oxigênio?

Chamem-lhe antes Terrão,
é maior que a Terra, tem 385 dias o ano,
chega mais tarde o Verão,
o Natal e a passagem de ano também

Quando vou á aldeia onde nasci,
digo aos amigos,
aos que não têm terra,
que vou à minha terra,
quando se morre é-se enterrado
debaixo de dois palmos de terra,
quando juramos uma verdade,
dizemos que a vimos
com os olhos que a terra nos há-de comer,
tudo o que temos de certo e de errado
tem origem na Terra,
a lata, o latão, os sapatos,
o chapéu, as calças, a samarra,
a água, as armas, os parvos,
o nascer, o viver, o morrer,
o conforto, o alimento,
porra, é tudo da Terra
e tudo o que mexe apodrece na terra,
menos a água e o vento

E há os que fogem da sua terra,
porque aí não são nada,
procuram outra terra,
outro solo, outra madrugada,
onde haja pão, trabalho, liberdade,
uma vida digna, mesmo a chorar
de saudade,
muitos desses perdem a sua terra
e nunca encontram outra,
são os desterrados que se enterram
cada vez mais nesta Terra,
um planeta azul com muitas lágrimas
e onde se prega
que as dores terráqueas
abrem as portas da vida eterna
no etéreo,
onde o chão não tem terra,
só céu

Mas o Homem descobriu outra Terra!
embora para lá, estou farto desta

E alguém diz:
- fica à distância de 1400 anos-luz,
na constelação do Cisne;
- ora bolas,
alguém me traduz
isso em quilómetros?

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Cantiga a um mexilhão

O mexilhão perdeu o "lhão",
perdeu também a sua concha,
está lixado o mexilhão

Foi expulso da sua rocha,
ficou sem lar o mexilhão,
boia à deriva pela costa
a procurar casa e pão,
queria ser uma lagosta,
mas lixaram o mexilhão

Encosta-se a uma lapa,
mas esta não lhe dá a mão,
os percebes não vêem nada,
uma amêijoa diz-lhe que não,
e o mexilhão já é papa,
está comido o mexilhão

Um mexilhão que se mexia
na rocha pra não ser lixado,
ele era assim, não queria
ser sempre ele o quilhado,
pois é mexilhão, melhor seria
estares quieto e calado

Cagou-o na praia a gaivota,
é caca que não caga o chão,
nem borra o pé, nem a bota,
nem sequer é um cagalhão
ele que queria ser lagosta,
coitado do meu mexilhão

E aqui fica este meu canto
a um mexilhão que mexia
por não aguentar o canto
daquela rocha onde crescia
com o fado de ser tutano
de um bivalve que se lixa

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Os reis do petróleo

Pelo-me de medo
quando vejo os rostos
carrancudos dos reis
do deserto,
são façanhudos,
não devem rir,
nunca,
e são pançudos
os seus corpos
sempre envoltos
em sobretudos,
são os reis do crude
que jaz debaixo do deserto
inóspito e rude,
são todos iguais ao original,
o guerreiro beduíno
que tinha cara de mau
e corpo de mé-mé

Esses reis
têm todos barriga de rei,
não como a minha,
(sou o Vitório Rei),
que está quase vazia

E soube agora
que um desses reis,
o mau dos maus,
exigiu a um "maire"
da Côte D'Azur
o encerramento ao público
de uma praia pública
que está junto ao seu palácio
de férias

O "maire" disse que sim,
vai à merda,
ó "maire"

domingo, 19 de julho de 2015

Uma flor azul

Sou um gineceu
d´uma flor azul,
azul como o céu
que me dá a luz

Abano o estigma,
sacudo o estilete,
estou feminina,
quero ser semente

Bate as asas, bate,
pássaro do céu,
com o teu bate, bate,
cai o androceu

E eu aqui ao léu
para o amar,
e tu a voar,
pássaro do céu

Vem meu androceu,
beija o meu estilete
com o teu filete,
vem que tu és meu

Vem meu androceu,
quero que me ames,
vem meu androceu,
dá-me os teus estames

Fizemos amor,
guardei o pólen,
se brilhar o Sol
nasce outra flor

sexta-feira, 17 de julho de 2015

O velho da praia dos Medos

O velho da praia dos Medos
apanhava sol e sal
sem segredos,
mostrava tudo tal e qual,
mostrava o cu e o vergalho,
mostrava as nádegas
e o volumoso malho
que das pernas lhe pendia
como um chocalho
a badalar o meio-dia

O velho da praia dos Medos
estava a ser honesto,
estava com calor
como quando veio ao mundo,
e veio todo nu, sem complexos,
despido de panos e de pudor

Um dia,
se eu chegar a velho
e se perder o medo
de não ter coragem de ser velho,
alguém dirá também
que me viu velho
a apanhar sol e sal
na praia dos Medos,
feio, sem complexos
e animal

quarta-feira, 15 de julho de 2015

A tua alma

Tens a tua alma à venda,
lê-se isso no teu olhar,
vê a quem a vendes,
o diabo quere-a comprar

Vende-a antes ao vento,
ou ao Sol, a tua estrela,
ficará no firmamento,
mas fica antes com ela

Não a vendas, nem a dês,
não tem preço a tua alma,
é chama enquanto és,
quando não fores, é lama

domingo, 12 de julho de 2015

Enquadrando o tempo

Acordo e ouço o tempo,
muito sol no continente,
nortada no norte e centro,
no sul, vento do poente

Ouço o tempo que faz,
que está ou que vai fazer,
o que passa já não está
e passou sem nada dizer

O tempo que passa, voa,
tem uma rota, um destino
e nada o abalroa,
segue sempre o seu caminho

O tempo voa e passa
por nós, mas não o sentimos
a passar, nem o ouvimos,
passa por cima, perpassa

Mas envelhece-nos, mói-nos,
cruza-nos com tempestades,
raios, coriscos, demónios,
alegrias, ansiedades

O tempo passa por nós
e nós temos que ocupá-lo
com o nosso corpo e voz,
dentro do nosso espaço

O tempo passa por nós
e nós passamos o tempo,
mas há quem o mate só,
e quem o perca pra sempre

E cada um de nós tem
o seu tempo, não há mais,
há-que aproveitá-lo bem
porque ele não volta atrás

Amanhã quero acordar
novamente a escutar
o tempo, se o meu tempo
me deixar chegar a tempo

Estou eu assim modorrento,
quando uma voz me reclama:
- acorda, salta da cama,
estás a perder o teu tempo

E também me diz o tempo:
- levanta-te, companheiro,
na cama e pachorrento
perdes tempo e dinheiro

Sigo a voz e o tempo
salto da cama alfazema,
lavo o meu pensamento
e escrevo este poema

quinta-feira, 9 de julho de 2015

A vida deste mar imenso

Estou na praia e o mar está ali,
calmo, sereno, maré vazia,
entrei nele há pouco,
mas só me molhou os pés,
não gostou de mim,
pois é,
este mar imenso
seduz-me, droga-me
e depois não me deixa entrar no silêncio
do seu ventre,
se lá entro, afoga-me

Por isso só vejo o que se passa
à flor da sua água

Se está bravo,
ruge, fustiga, enerva-se, escuma,
suga as pesadas nuvens de chuva,
cria grandes ondas para, uma a uma,
morrerem na praia,
numa cama de espuma,
ou contra as rochas,
num choque de raiva

Se está calmo,
é um vasto espelho de água
onde a Lua espalha
os seus cabelos de prata
e onde o Sol se esconde
para lá do horizonte

E não consigo ver mais nada
que seja dele

Ó mar imenso,
por que razão não me mostras
a vida que tens no teu ventre?
por que razão me afogas
se eu entrar por ti adentro?

Responde-me, ó mar imenso,
pode ser com um remoinho,
com um bramido mais intenso,
com um guincho de um golfinho,
pode ser como quiseres,
mas responde-me, ó mar imenso

E nada, ele não me responde,
só me manda ondas e marés,
ó, quem me dera ser anfíbio,
ó, quem me dera ser esponja,
ó, quem me dera ser tudo,
para poder mergulhar no infinito
profundo

sábado, 4 de julho de 2015

Alfa e Ómega

Alfa, Beta, Gama, Delta,
Épsilon, Zeta, Eta, Teta,
Iota, Kapa, Lambda, Mu,
Nu, Csi, Ómicron, Pi,
Rô, Sigma, Tau, Úpsilon,
Fi, Qui, Psi, Ómega

Alfa e Ómega,
o princípio e o fim
do alfabeto grego,
e é com algumas dessas letras
que se escreve não, sim,
em grego

Eu não sou grego,
mas também estou assustado,
tenho o mesmo medo,
dizer sim, dizer não, ou dizer nada,
tanto faz,
fico na mesma crucificado
quando, daqui a uns meses,
todos os portugueses
forem também obrigados
a dizer sim, ou não,
aos seus credores endinheirados
que querem ficar ainda mais ricos
sugando quem não tem pão,
vão todos bardamerda: os credores, os mercados,
os banqueiros e os seus porta-vozes, os políticos

Sim, vão todos bardamerda,
mas se não quiserem ir
fiquem e expliquem-me por que razão
convenceram os tesos a pedir
emprestado o vosso dinheiro?
Foi por solidariedade? Foi por compaixão?
Não acredito, seus vis usurários

sexta-feira, 3 de julho de 2015

A vida é uma maravilha

Nascemos e já está,
somos,
estamos cá,
já não voltamos para dentro
do mundo dos gnomos,
estamos cá,
e começamos logo a chorar,
sim, quando nascemos
temos que chorar,
é a nossa marca, o nosso selo,
somos os únicos animais
a fazê-lo

Sim, nascemos a chorar,
choramos porque vimos a sofrer
e a fazer sofrer,
porque vimos num corpo
de cálcio, ferro, água e sal,
um corpo onde corre sangue a ferver
temperado com o bem e com o mal

Nascemos e desde muito cedo
temos medo,
gritam connosco,
somos empurrados,
temos de crescer,
começamos colados ao colo
e acabamos desamparados
a morrer

Mas temos de crescer sem pensar na morte,
dizem-nos que a vida é uma maravilha,
e, de facto, é uma maravilha a vida,
andamos sempre em frente, o desejo é forte,
nunca voltamos atrás, isso não está previsto,
estamos sempre na linha de partida
agarrados ao que está feito, ao que está escrito,
não há espaço para desfazer o erro,
nem para apagar a verdade que era mentira,
e, por vezes, nem sequer há tempo
para o arrependimento

Porque, de repente,
foge-nos o chão,
ficamos com o corpo tenso,
falha-nos o coração,
não sentimos o vento
a soprar no peito,
vemos tudo de perfil,
e pronto! chegou o momento,
ela entra, olha, encadeia-se com o cheiro
e, num acto de misericórdia, estica-nos o pernil

A vida é uma maravilha