sábado, 30 de abril de 2016

Ó partes de mim

que estais a dormir
acordai
tende pena, ouvi a a minha voz
acordai, eu quero voltar a rir
preciso de vós
porque me abandonais?
acordai
preciso muito de vós

Ó partes de mim
que já adormecestes para o sono eterno
antes do meu fim
quero-vos de volta
deixai de ser peças de ferro
quero voltar a andar à solta
quero, quero, quero
quero-vos de volta
acordai

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Uma tarde no hospital

Passei a tarde no corredor das urgências
do hospital de Torres Vedras
ao meu lado um jovem finlandês
a queixar-se com dores em inglês
tinha ferido o corpo e as pernas
a fazer surf e nunca mais chegava a minha vez
o médico viu-o e também falou em inglês
foi muito bem tratado
e nunca mais chegava a minha vez

Do outro lado estava um idoso
que pedia ajuda a gritar pelas enfermeiras
apareceu perto dele uma pessoa
que seria seu filho, chama-se Diogo
e disse: então o pai caiu outra vez
você está sempre a cair das cadeiras
você sabe muito, lembre-se do mal que me fez
e foi-se embora, nem disse adeus
O senhor idoso começou a gritar
com aparente falta de ar: vem cá, Diogo
vem cá, meu filho quero falar contigo
chamem o meu filho, vem cá, Diogo
gritava o senhor idoso
vem cá, Diogo
quero falar contigo agora
mas o Diogo não veio

Entretanto levaram-me para a tac
mudaram-me da cadeira para a maca
que entra no aparelho
e alguém me disse:
agora vai levar uma radiação
e fica com uma cabeça nova, sem ressaca

Lá fui eu aos trambolhões
para dentro do aparelho
não senti os apalpões
do aparelho-escaravelho
que viu o meu interior
como vê um espelho
o nosso exterior

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Por aqui

Por aqui vou estando
umas vezes optimista
outras pessimista
os que por aqui andam
como eu não andam
são empurrados pela anca
e todos desejam
ir para o Alcoitão
uns vão
outros não

Mas ainda estou vivo
e acredito em quem me dá a mão
mesmo não sendo o Alcoitão

domingo, 24 de abril de 2016

O meu Anjo da Guarda

Desta vez
o meu Anjo da Guarda
não me protegeu do azar,
tive um avc
e fiquei sem andar

Ó meu Anjo da Guarda
não me fujas
guarda-me do medo
se puderes volta atrás
e dá-me engenho
para reaprender a andar

Não me deixes cair
anima-me e faz
com que a minha perna
ganhe força para subir
a caverna
onde me encontro

Pronto,
ó meu Anjo da Guarda
hoje não te peço nada mais
volta atrás, volta atrás
que a minha cura tarda

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Ana Luísa

é a minha fisioterapeuta
e avisa
"Não perca o ânimo e a alegria
em cada dia
há uma pequena conquista"

Fisio
terapia
é um alívio
há alegria
há movimento
no ginásio
mas também
há lamento
de quem
se vê
preso
depois
de um avc

É assim mesmo
nada a fazer
há que aguentar
saber esperar
e viver
mesmo sem saber
se voltarei a andar

terça-feira, 19 de abril de 2016

A cama

A minha cama é eléctrica,
frenética
não me deixa
ir embora
levanta e baixa
e dobra
carregando num botão
que está sempre à mão

É uma cama simpática,
apática
acho que gosta de mim.
Quando acordo
estou sempre torto
mas a cama não tem culpa,
fui eu que dei a volta
diz-me ela
com certeza absoluta
E depois cá me aguento
quando me sentam na borda
à força, em forte tormento

Dói-me o corpo todo,
deitado ou em pé
parece uma rocha
que racharia
com um simples pontapé

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Estou

Estou colado a uma cama,
só me levantam para o cadeirão,
dizem que faz bem e que traz chama
ao corpo sem articulação

Estou a fazer fisioterapia,
todos dizem que resulta
e que vai acordar um dia
a minha perna adulta
e este braço sem vida

Estou derrotado,
o inimigo foi forte demais
mas continuo soldado
que quer vencer a guerra
e aguenta os maus sinais

A espera por dias melhores noutro ar
é partilhada pela família
e pelos meus amigos.
Dão-me a mão
e força para acreditar
na plena recuperação

Estou assim. Pronto.
A minha existência é monótona
e os meus relatos também.
Desculpem-me, caros leitores,
muita saúde para todos.  

domingo, 10 de abril de 2016

Lutar

Olá, amigos leitores,
é muito duro
não poder andar
no meio das flores.

O meu avc foi muito forte,
tirou-me o andar
e a mão esquerda
mas continuo a lutar
para recuperar a perda.

Quero voltar a andar
quero voltar a saltar a cerca
e ir a pé até ao
meu segundo andar. 

Vai levar tempo,
muito,
mas não desisto de lutar
e de ter paciência.
Não quero que o meu forte avc
me vença.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Hematoma avc
Ora toma
Um hematoma
Ficas sem o braço esquerdo
E sem a perna esquerda
Estou cheio de medo
De não voltar
A ser quem era
Por agora continuo preso
A uma cama hospitalar