segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Carnaval

Hoje correu mais uma vez
sangue quente no morro da cidade,
morreu apenas um garoto,
um menino que agarrava
com força e tenacidade
a sua metralhadora,
mas não faz mal, é Carnaval
e ele era membro do gangue rival
do que não manda no morro agora

Morreu apenas uma criança,
uma bala perdida
tirou-lhe a vida
e já não viveu a esperança
de um dia ir à avenida
ver o samba que passa
no fim da ravina,
samba colorido
ornado de carne
coberta com penas de aves de rapina
e de lantejoulas de plástico,
é apenas o povo a dançar,
a chorar, a cantar,
é a alegria de um povo
cheio de mar
E eu que continuo preso no meu ovo
não posso dançar
nem voar
Desculpem, caros leitores,
este meu feitio de acabar mal,
triste e mascarado de dores,
mas não me levem a mal,
é Carnaval

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Um ano de avc

Faz hoje um ano de avc,
avc, a vida continua,
vejo-a a passar na rua que se vê
da  janela
do meu solitário quarto,
a minha cela
onde reflicto,
vejo-a a passar
no relógio de quartzo
sempre aflito
a dar horas e ordens,
quando soa o apito:
Bom dia, bom dia,
ergue-te dos lençóis
de Morfeu,
são horas da fisioterapia,
ergue-te, ergue-te
e mira a montanha
de Neruda,
faz-te foguete
e vai para a rua
estalar, voar, explodir,
chorar, rir e agradecer
porque tens ajuda,

Ó Luz, ó Luz,
Ajuda, ajuda!,
ainda preciso de ti
para vestir o capuz
e o bibe.

"Pai, pai,
menos lamúrias,
tanto ai
para nada,
quero mais luta
e menos lamentos",
é a voz da Lúcia
Que já se cansou
dos meus elementos.

Está bem, filha,
vou tentar
não me lamentar mais
nesta ilha
sem cais,
vou cantar

avc, a vida continua,
faz hoje um ano
que me deu a fúria,
mas ainda não se fechou o pano
do palco onde jogo a minha vida,
ainda quero caminhar
de perna esticada e erguida